A implementação das normas técnicas é mais do que um simples processo dentro da gestão do turismo de natureza. A normatização deve, efetivamente, se tornar uma cultura em qualquer negócio dentro do segmento, seja o de natureza, aventura ou outros. E, para isso, responsáveis por órgãos públicos nos territórios têm papel importantíssimo – secretários e secretárias de turismo de municípios, prefeitas, prefeitos, governadores e governadoras. Como, então, será que a gestão pública pode colaborar com o desenvolvimento do turismo regional de forma segura dentro das normas que regem o setor?
É sabido que o turismo é uma das principais ferramentas capazes de mudar a realidade de territórios, com alto poder de empregabilidade e desenvolvimento socioeconômico. Mas para que ele seja de fato uma ferramenta de transformação local é preciso criar processos, pensar profissional e estrategicamente. Acima de tudo, é preciso formalizar as atividades, buscar capacitação e se adequar à normas técnicas que existem por propósitos claros: prevenir acidentes e preservar vidas.
Numa visão mais macro, é papel do Ministério do Turismo fiscalizar as atividades turísticas no país. Mas os municípios estão conectados a essa esfera, tendo papel fundamental: primeiro nas políticas públicas voltadas ao turismo local e, depois, como fiscalizador das atividades turísticas. Assim, como fiscalizar a iniciativa privada adequadamente se o gestor não tiver o conhecimento das Normas Técnicas que devem ser aplicadas no setor?
Ainda que o cenário aponte uma falta de conhecimento por parte de autoridades públicas, é preciso buscar informações sobre o segmento, como o Sistema de Gestão de Segurança, para início de conversa. Existem muitas capacitações ofertadas no mercado que podem auxiliar na formação de gestores dentro dos órgãos públicos. E, claro, todos precisam ter entendimento pleno de todas as regras que regem as atividades de turismo de aventura, presentes na Lei Geral do Turismo. Mas isso vale tanto para gestão pública quanto para profissionais do setor.
O problema: falta de conhecimento
Para Evandro Schutz, consultor da ABETA, empresário do turismo e especialista em normas técnicas, o nosso grande problema segue sendo cultural. Não temos a cultura de entender o nosso papel legal, das nossas responsabilidades, seja um órgão público ou privado. Se aprofundarmos ainda mais nessa questão, ainda é possível ver pessoas eleitas para cargos públicos sem conhecimento técnico sobre o que fazem.
“Essa carência de conhecimento também é observada dentro do turismo de natureza e do turismo como um todo. E nós seguimos sem cobrar o mínimo de cultura e conhecimento das tarefas. Quem assume, geralmente, são pessoas comuns, que levam a negligência para dentro da gestão de turismo pública. Mesmo em territórios e destinos com potencial turístico fantástico, ainda falta muita teoria, planejamento estratégico e entendimento das normas que regem cada setor e atividade”, comenta.
A negligência da esfera pública nessa dinâmica pode causar impactos negativos ao destino. Primeiro, os possíveis acidentes que podem ocorrer por justamente uma má gestão de segurança, que podem gerar uma imagem negativa do destino ou atrativo. E, em segundo e ainda pior, as consequências no âmbito legal que podem recair para as prefeituras, por exemplo, causadas pela falta de comprometimento com as questões de segurança.
Solução: sensibilização, capacitação e alianças com especialistas do setor
Para solucionar isso, de acordo com a vice-presidente da ABETA Pollyana Pugas, “é preciso maior sensibilização da gestão pública: disseminar as informações, promover políticas públicas e parcerias voltadas à capacitação e aplicação de normas técnicas exigidas para as atividades”.
Ela cita ser importante oferecer programas de incentivo e subsídios a empreendedores, mas com contrapartidas para o funcionamento dos negócios de turismo. Depois, sim, fiscalizar, mas colaborar com o acesso ao processo de normatização.
Tecnicamente, Evandro acredita que será impossível o Brasil evoluir no empreendedorismo dentro do turismo se a gestão pública não mudar sua visão e papel de desenvolvimento econômico e turístico no pais. “É mais do que fundamental e passou da hora de estudar o setor de atuação e buscar capacitação, conhecimento técnico, jurídico, inclusive”, afirma.
“O turismo acontece nos municípios, do micro para o macro. O Ministério é norteador, mas quem deveria cuidar é a prefeitura e responsáveis pela gestão de turismo pública. Ou seja, a fiscalização deveria começar de baixo para cima. Há a previsão constitucional dessa hierarquia no sistema”, continua Evandro.
Para ele, a administração pública pode, sim, criar ferramentas, como o Programa Aventura Segura, um verdadeiro marco do turismo brasileiro. A partir disso, os governos estaduais deveriam fortalecer e incentivar, promover e estimular a adesão por parte de profissionais do setor. E, por último, no mundo ideal, o município poderia ter o papel de fiscalização, adequação de prazos e liberação de alvarás – se um determinado negócio, como um circuito de arvorismo, estiver fora do que rege as normas técnicas da atividade, não deve ser liberado. E isso está totalmente ligado à capacitação e conhecimento de quem está na gestão de turismo pública.
Sendo assim, alianças entre a gestão pública com entidades como a própria ABETA, por exemplo, podem gerar frutos a médio ou longo prazo. Uma vez que há cursos voltados à estruturação do turismo de natureza e entendimento das normas técnicas, por exemplo, além de outra porção de conteúdos técnicos voltados a gestão dos negócios no turismo.
É importante lembrar, também, do papel de empresários e empresárias dentro do setor, que foi falado no texto anterior. Assim como não cabe a negligência por parte de órgãos públicos, qualquer pessoa que deseja empreender no turismo deve estar tecnicamente capacitada para exercer a atividade que se propõe.
Seja uma pousada, um parque de aventuras ou guia de turismo, independentemente da área de atuação, mergulhar na profissionalização, na formalidade e seguir os padrões exigidos na Lei Geral do Turismo é imprescindível. Não é só uma questão de diferencial, é uma questão de segurança jurídica e operacional.