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Entre Parques: casal lança Instituto com projetos transformadores

O economista Dennis Hyde e a psicóloga Leticia Alves já são referência no Brasil em se tratando de Parques Nacionais. O casal se tornou as únicas pessoas que visitaram, durante três anos e meio, todos os parques nacionais brasileiros: 75 unidades de conservação federais. Partiram em junho de 2021, iniciando com o Parque de Itatiaia (RJ) e finalizando em outubro de 2024 no Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha (PE), com o projeto Entre Parques. No caminho, aprendizados, comunicação ambiental, mudança e aperfeiçoamento de entendimentos, projetos inovadores, e, agora, na chegada, exposição de fotos e a criação do Instituto Entre Parques.

O instituto seguirá com os principais projetos já criados e se apresenta como uma ferramenta para aperfeiçoar a conexão de instituições, iniciativa privada, poder público, visitantes, crianças, instituições de ensino, pesquisadores, trade turístico, comunidade e um futuro mais esperançoso para nosso modo de viver na Terra: conectados ao meio ambiente e turismo em uma evolução mais genuína.

Muitas pessoas fazem viagens pelo Brasil ou pelo mundo por anos, até por décadas, em barcos, bicicletas, motorhome, trailer, a pé, mas não é comum, nem durante a viagem ou ainda após o retorno, iniciarem um trabalho de transformação nos lugares em que passam. Mas eles possuem essa postura única. Não são apenas os primeiros a percorrer todos parques nacionais brasileiros. São os primeiros a agirem com diversos projetos de transformação contínuos durante e após a expedição. 

No décimo parque visitado da expedição, o Parque Nacional dos Campos Gerais, no Paraná, cercado por monoculturas, criaram conexões que permitiram propor e colocar em prática o projeto Parque ao Lado, que resultou na inserção do parque no currículo escolar da região, promovendo a capacitação do corpo escolar no tema, levando dezenas de estudantes a visitarem pela primeira vez a unidade de conservação de sua própria comunidade. 

Em suas viagens, por encantamento ao olhar as estrelas pelos céus escuros brasileiros, criaram o IASTRO, um índice que mede quais regiões e parques nacionais são mais propensos para o astroturismo. Um índice inédito que em breve será publicado em revistas científicas e servirá de ferramenta para outras ações construtivas.

Em passagem pelo lado brasileiro do tepui do Monte Roraima, acessado pela Venezuela, perceberam que não havia placas ou qualquer informação ao visitante de que aquele local, além de uma tríplice fronteira entre Venezuela, Guiana e Brasil, é também área do Parque Nacional do Monte Roraima (155 hectares do tepui pertencem ao Parna brasileiro). Em parceria com a Roraima Adventures, de Joaquim Magno Souza, sócio fundador da Abeta, com quem fizeram a expedição, conseguiram arrecadar recursos para confeccionar e transportar até Boa Vista  não apenas a placa pretendida do Parque, mas outras duas grandes placas informativas. A parceria de divulgação resultou em ganhos coletivos: para o ICMBio, visitantes, a Roraima Adventure e a sociedade como um todo.

Com vocês, a entrevista que realizei com o casal Entre Parques, já me declarando como fã há tempos. Separei por temas, com a narrativa deles, e desejo a todos boa leitura.

Instituto Entre Parques: formalizar projetos de parceria e transformação

Entendemos que nosso papel é desenvolver pontes, sermos intermediários nas ações necessárias, mas seguirmos como sociedade civil, independentes. A criação do Instituto Entre Parques foi uma linha natural no pós-expedição. Percebemos o tamanho de nossa responsabilidade com os caminhos que percorremos, todos os rios que receberam nossos corpos, todos biomas, fauna e pessoas que nos encantaram. Foi também uma maneira de seguir trabalhando com conservação, construindo um redirecionamento de nossas carreiras, uma psicóloga e um economista – como podermos seguir um trabalho que acolha toda essa experiência e vivência que tivemos. De início, estamos focados em replicar e aperfeiçoar os projetos pilotos como IASTRO, Parque ao Lado, exposição “Diálogos Entre Parques” além de promover mais a interpretação ambiental. 

Temos a intenção de trazer mais os parques brasileiros ao imaginário coletivo, aproximá-los das pessoas. “Nossa biodiversidade, a maior do mundo, é ainda desconhecida pelos brasileiros. É comum encontrarmos em livros infantis a fauna africana, como o leão e a girafa. Mas qual criança sabe o que é uma anta e sua importância? Além disso, os parques não são apenas áreas utilitárias de visitação e preservação, mas também áreas de transformação social e humana, através do aprimoramento sobre os conhecimentos ligados à natureza e à vida. Estamos “usando” os parques, e não há nada de errado em fazê-lo de forma ordenada. Mas o que estamos deixando a eles?

O instituto foi criado com o intuito de contribuir para uma formalidade das nossas ações. Éramos dois membros no Entre Parques e agora seremos cinco. Uma engenheira, uma administradora e uma cientista política, agregando conhecimentos, visões e vontades para um instituto que logo mais terá as portas abertas para receber associados e ideias. Entre os objetivos, fomentar a visitação de forma mais ordenada nos parques nacionais. Diversificar a visitação aos finais de semana por pessoas de longe do parque, incluindo mais moradores próximos. Isso reforça a economia local, geração de emprego, fortalecimento cultural, orgulho, para além dos benefícios de bem-estar já comprovados em diversos âmbitos. 

Em paralelo, estamos buscando outras atividades para nossa renda própria. Ambos somos bolsistas da Colorado State University (EUA), referência mundial em soluções para conservação do ambiente natural. Existe um avanço internacional muito grande nos temas de visitação e conservação, estamos pesquisando como acelerar nossas capacidades e experiências.

A consciência de preservação e transformação do mundo

Dennis: Não somos originalmente do mundo da conservação ou de algum universo de voluntariado, gostávamos de “ir para o mato”, mas era algo muito pessoal em nós. Não éramos engajados e nem sabíamos que poderíamos ser. Na natureza, costuma desfrutar ou reclamar, não enxergava a responsabilidade e a possibilidade de fazer alguma coisa pela cidade ou pelos parques nacionais. Não sei como começamos a nos sentir responsáveis e com papel ativo, mas foi durante a expedição.

Nos abrimos para novos aprendizados, não só um com o outro, mas nos permitimos maiores conexões. Passávamos uma tarde inteira, muitas vezes, conversando com pessoas, aprendendo, conectando visões, entendendo que tínhamos uma visão muito restrita da realidade.

Letícia: Acho que existem muitas perguntas que a gente ainda não sabe a respeito de nós mesmos (Letícia). Houve uma mudança muito sutil em nós, quem estava liderando nosso processo não era o ego ou a consciência. Nosso plano era claro: visitar todos parques nacionais, unidades de conservação com o mais alto grau de preservação, mas a gente nem sabia falar essa palavra e nem sabíamos que existem 11 categorias de unidades de conservação.

Não era nossa intenção inicial nos expor nas redes sociais, mas começamos a entender que estávamos vivendo algo maior, que diz respeito ao coletivo. Venho da psicologia Junguiana, com um olhar para a natureza, povos originários, vislumbrando o inconsciente muito relacionado ao meio ambiente e de alguma maneira fui exposta a isso. Eu e Dennis começamos a fazer trilhas na natureza todo final de semana que podíamos, e logo identificamos o quanto era importante para nosso bem-estar. Nosso caminho foi acontecendo de forma natural e intuitiva.

Parque ao Lado

Em toda nossa expedição tínhamos uma percepção recorrente: as pessoas do entorno não conhecem o parque que está ao lado de onde vivem, estudam ou trabalham. Por falta de interesse, de recurso ou de tempo. Outras até frequentaram a área, mas a partir do momento que se tornou unidade de conservação, não se sentiam mais pertencentes, que havia se tornado algo para “quem vinha de fora”.

Quando visitamos o décimo parque, dos Campos Gerais, no Paraná, ficou evidente a pressão do agronegócio. Não entendíamos porque você ia na área do parque e via plantações de monoculturas. Conhecemos o guia de turismo Guilherme Forbeck, do Refúgio das Curucacas, referência em interpretação ambiental e gestão de segurança na região, que nos levou em um banho de floresta numa área entre lavouras. Entendemos mais ainda a importância de um pequeno espaço preservado e um bom acompanhamento profissional. Perguntamos qual sua visão sobre a relação do entorno com o Parque, e ele contou que pouquíssima gente do entorno conhecia ou visitava. 

Surgiu a ideia de levar as crianças e estudantes para conhecer. O parque fica na região de Ponta Grossa, onde muitos querem sair da zona rural e ir para o meio urbano. Com apoio de Guilherme, conversamos com a diretora Zaira Paiva, do Colégio Estadual Brasílio Antunes da Silva, que confirmou o distanciamento entre os estudantes e o parque. Propôs incluir o parque no currículo escolar. Mas muitos dos professores nunca haviam ido até a área do parque nacional, então precisávamos antes promover a visita do corpo docente. 

As visitas escolares aconteceram, mas não pudemos acompanhar. Gravamos uma série de vídeos apresentados como pílulas às crianças, contando sobre o parque e o projeto que estávamos criando, antes delas saberem que visitariam o lugar. A Fjällräven, uma marca sueca de roupas e equipamentos outdoor, nos ofereceu um apoio financeiro. Conseguimos recursos para contratar os serviços da Refúgio das Curucacas de Guilherme, os lanches com comidas locais, uma canequinha com fibra de coco para cada, filmagem profissional, e outros detalhes. Todos foram empenhados em proporcionar descontos e conseguirmos realizar a experiência. Em outubro, 40 alunos do 6.º e 8.º ano do Colégio visitaram o Parque.

A edição experimental do “Parque do Lado” trouxe resultados tão positivos que a IGR Agência de Desenvolvimento Turístico dos Campos Gerais (Adetur Campos Gerais) conquistou um termo de cooperação do Projeto “Turismo nas Escolas”, com o Estado do Paraná, Adetur e onze prefeituras da região. Na cerimônia de lançamento do projeto regional, também foi realizado o lançamento oficial do “Parque ao Lado”, e a diretora Zaira levou as crianças da escola para o encontro, assistiram ao filme e todos se conheceram pessoalmente.

IASTRO – o céu brasileiro pode se tornar referência mundial

Morando em um trailer, começamos a ver mais o céu do Brasil longe da poluição luminosa das cidades, deslumbrante, encantador, mas por algum motivo sempre aquele jargão sussurrando: “ah não, Atacama deve ser melhor”. Mas cada vez víamos mais estrelas e imensidão e fomos pesquisar. Não é bem assim, é que no Brasil não temos certificações para atrair visitantes. No Brasil, apenas o Parque do Desengano do Rio de Janeiro está certificado como céus escuros, e no Chile um único local. Enquanto isso, na Europa e nos EUA, países com poluição luminosa maior que a nossa na média, há mais de duas centenas de locais certificados como céus escuros. Descobrimos que a medida de qualidade de um céu para astroturismo passa pela combinação de quão escuro é o céu e quanta nebulosidade pode haver. Encontrei (Dennis) informações precisas e cruzei esses dados, criando um índice de qualidade de céu para astroturismo no Brasil.  

Feito isso, buscamos especialistas no assunto e contamos com a equipe do projeto Astroturismo nos Parques Brasileiros, principalmente o doutor em Astrofísica Daniel Mello, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do turismólogo Vitor Barbato, co-criador da Rede Céus Estrelados do Brasil e ativista da DarkSky no Brasil, que agregaram as informações sobre a infraestrutura em termos de locais para pernoite e guias.

 Consideramos as principais variáveis da Dark Sky International e da Starligth Foundation adaptadas à realidade brasileira, considerando a poluição luminosa, climatologia e infraestrutura turística. Criamos cinco categorias: excelente, ótimo, muito bom, bom e baixo. Os dois Parnas com maior índice são o da Chapada dos Veadeiros (GO) e o Parque Nacional das Nascentes do Rio Parnaíba (MT, TO, PI, BA). A metodologia e fórmula serão publicadas e poderão ser utilizadas em diversas áreas de conservação, sejam nacionais, estaduais, municipais ou estrangeiras.

O índice também mostra as principais regiões que já precisam proteger seus céus escuros. No cotidiano, estamos expostos a telas e emissões químicas de lâmpadas durante o dia e à noite. Mas precisamos de um ambiente escuro para que toda regulação de nosso organismo funcione de maneira correta, afetando diretamente nossa saúde. A iluminação afeta inclusive a fauna e flora. Existe a desregulação de ciclos de plantas e flores. Já temos dados que mostram que 30% da luz do planeta é desperdiçada na iluminação externa de áreas de ocupação humana. Enfim, motivos para proteger o céu brasileiro não faltam.

Exposição “Diálogos Entre Parques” reúne imagens, informações e relações entre unidades de conservação de forma gratuita

A exposição foi criada com o apoio do Instituto Semeia, desenhada para integrar o evento Parques do Brasil, que reúne diversas pessoas e especialistas sobre conservação. É formada por uma foto de cada Parque Nacional com localização, data de criação, biomas compreendidos, área e um breve descritivo de cada Parque. Reunimos as imagens por grupos, por isso o nome “Diálogos Entre Parques”: trilhas e longas travessias; os mais visitados; o do arco do desmatamento, com avistamento de fauna muito propício; os que representam os ciclos das águas; das entranhas da Terra, os parques da pré-história, história… Tecemos esses diálogos entre os parques, entre nós. Cada grupinho tem um áudio curto nosso, onde contamos um pouco dos parques e a gente vai fazendo essa relação entre eles. Também existe um mapa dos parques nacionais.

Inaugurada no evento Parques do Brasil, em Villa Lobos, em São Paulo, em seguida foi exposta por dez dias na Unapaz, uma universidade aberta municipal no Parque Ibirapuera. Foi levada de forma parcial para o Instituto Alta Montana e deve circular ainda mais pelo país, estamos abertos a convites, inclusive para o exterior se pudermos. Concebida em parceria com o Semeia, a ideia é que ela sempre circule de forma gratuita para o visitante como pressuposto inicial. Então as parcerias são importantes, para definir logísticas, espaços, montagem, e ela já existe. Talvez seja o maior acervo combinado que se dispõe em termos de imagens, histórias e informações sobre os Parques Nacionais brasileiros.

Referências:

1 – Projeto Entreparques – entreparquesbr.com.br
2 – IASTRO – entreparques.com.br/iastro
3 – Roraima Expedições – roraimaadventures.com.br
4 – Refúgio das Curucacas – refugiodascurucacas.com.br
5 – Filme sobre O Parque ao Lado – https://www.youtube.com/watch?v=3Lg6sS9QQwY
6 – Dark Sky International – darksky.org
7 – Starlight Foundation – en.fundacionstarlight.org/
8 – Instituto Semeia – semeia.org.br

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Leda Malysz

Leda Malysz é jornalista, ciclista, trilheira e empresária. Gaúcha, formada em Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), trabalhou em jornais, editoras, livros, revistas e sites. Escriba. Vive em Cavalcante, na Chapada dos Veadeiros (GO) e acha que sua chacrinha é Pasárgada. Acredita que a informação e o conhecimento são os melhores caminhos para evoluções mais equilibradas entre humanos e natureza, bases para evoluções humanas. Empresária na operadora Fronteiras da Chapada e na editora Broto de Letra. Busca por vivências e conteúdos transformadores e aqui na Abeta é a editora responsável pelo Blog Abeta desde 2025 e pela revista Abeta Summit desde 2022, entre outros fazeres.