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Capacitação e profissionalização do turismo são urgentes

Setor bate recordes de visitantes, mas especialistas da ABETA alertam para os riscos da informalidade e da falta de qualificação técnica

O turismo brasileiro vive um marco histórico. Somente nos quatro primeiros meses deste ano, o país recebeu mais de 4,2 milhões de turistas estrangeiros, superando todos os registros anteriores para o período, segundo dados divulgados pelo governo federal. Em paralelo, os parques nacionais brasileiros contabilizaram 12,5 milhões de visitas em 2024, outro recorde que confirma a força do turismo de natureza e o crescente interesse pelas riquezas naturais do país.

Os bons números são comemorados pelo setor, mas acendem um alerta: o crescimento precisa ser acompanhado de profissionalização e qualificação técnica para que seja sustentável. Esse debate, já antigo, ganha ainda mais relevância com a Declaração do Cerrado, firmada pelos países do BRICS no dia 12 de maio, na China, e que reconhece o turismo como ferramenta estratégica para o desenvolvimento econômico e sustentável no Sul Global.

Entre muitos problemas, há três grandes gargalos que, hoje, impedem o crescimento do turismo brasileiro de natureza: a informalidade, a ilegalidade e a baixa qualificação dos profissionais envolvidos em todas as áreas”, afirma Luiz Del Vigna, diretor-executivo da Associação Brasileira de Empresas de Ecoturismo e Turismo de Aventura, a ABETA.

“De maneira geral, a prestação de serviços no turismo brasileiro é muito mal feita”, alerta o especialista, o que gera impactos diretos na qualidade da experiência e da satisfação do cliente, na sua segurança e nas questões de ASG, que incorporam critérios ambientais, sociais e de governança nas operações.

Informalidade como obstáculo

A expectativa para o fechamento de 2025 no setor de turismo é positiva, com projeção de alta de 3,8% (faturamento de R$211 bilhões), segundo o Conselho de Turismo da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP). Mas, segundo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), a taxa de informalidade no setor da Economia Criativa, onde o turismo se encaixa, foi maior do que a média nacional e chegou a 42,2% em 2024.

A informalidade pode resolver um problema imediato de geração de renda, mas esse tipo de atividade não cria uma estrutura empresarial de desenvolvimento que sustente o setor”, adverte Del Vigna, ao explicar que esse tipo de cultura leva à ilegalidade e à pobre formação técnica.

Com a missão de qualificar, profissionalizar e desenvolver boas práticas em busca do desenvolvimento sustentável do turismo de natureza no país, a ABETA oferece diversos cursos e capacitações, online e presenciais, que buscam suprir as lacunas no turismo de natureza. Ainda assim, mesmo nos cursos gratuitos, a procura é baixa em relação ao número de serviços oferecidos no mercado.

Temos mais de 100 associados, que seguem a lei e se capacitam, mas a realidade do mercado é outra: operadores, gestores, guias, condutores e toda uma cadeia que, em sua maioria, não oferece serviços qualificados – e muitas vezes coloca os clientes sob risco, infelizmente”, explica Fernanda Dornelles, vice-presidente da ABETA.

Programa Aventura Segura

Em 2006, a ABETA desenvolveu, em conjunto com o Ministério do Turismo e com o Sebrae Nacional, o programa Aventura Segura, que hoje conta com 44 Normas Técnicas – das quais 5 foram transformadas em Normas Internacionais através da ISO Internacional Organization for Standardization. As normas serviram de referência para a construção do decreto de regulamentação da Lei Geral do Turismo (LGT), regramento que é de implementação obrigatória para agências e operadoras do setor.

A espinha dorsal dessa implementação é o Sistema de Gestão de Segurança, que atende à Norma Técnica ABNT NBR ISO 21101- uma regra que ajudou Evandro Schütz, da empresa Atitude Ecologia & Turismo, a garantir a segurança de mais de 450 mil pessoas nos serviços de tirolesas com mais de 100 metros de extensão e arvorismo a 18 metros de altura em Canela, no Rio Grande do Sul.

Com a ajuda da ABETA, implementamos o sistema de gestão de segurança e identificamos, em nosso inventário, 932 possibilidades de danos, e montamos a operação de forma a prevenir estes possíveis acidentes”, ele explica. Em 13 anos oferecendo o serviço, o registro de incidentes de baixa intensidade foi menor do que 0,01%, mas houve um caso em que a empresa precisou aplicar toda a extensão do conhecimento adquirido.

O não cumprimento de um procedimento por parte do condutor e o consequente rompimento parcial de um backup de freio resultaram em acidente com hematomas, escoriações e o desvio do septo de um cliente, que foi socorrido de acordo com os procedimentos de emergência estipulados.

Os riscos são intrínsecos ao turismo de aventura, mas por causa do Sistema de Gestão de Segurança nós sabíamos exatamente o que fazer, e acionamos o plano de atendimento de emergência. Tudo deu certo, o cliente ficou bem, e conseguimos comprovar na investigação da polícia civil (por ter sido gerado um boletim de ocorrência pela família) que seguimos todos os procedimentos estruturados com base nas normas ABNT e da legislação”, conta Schütz.

Cultura de prevenção é exceção

Mas, segundo os relatos dos associados da ABETA, o caso de sucesso da Atitude Ecologia & Turismo é uma exceção. A contabilização é complexa, já que não há um órgão centralizador de informações e estatísticas sobre o real número de acidentes e as gravidades envolvendo o turismo de aventura no Brasil.

O Relatório Brasileiro de Acidentes de Turismo, feito pela Associação Férias Vivas com base em levantamentos na imprensa nacional e de depoimentos pessoais por meio do Aplicativo Eu Vivi, contabilizou 3.960 acidentes no turismo brasileiro, de forma geral, entre 2002 e 2020. A conclusão é de que a maioria dos eventos foi causada por erros de operação: 49% dos casos envolveram algum grau de imperícia do profissional contratado; 70% dos acidentes ocorreram por negligência do prestador de serviço; e em 77% havia ausência de equipamentos de proteção.

Embora já existam iniciativas exemplares e empreendedores extremamente comprometidos com boas práticas, infelizmente ainda são minoria. Sentimos falta de um número maior de parceiros que, além de conhecerem as exigências legais e as normas da ABNT, também tenham incorporado a gestão de segurança e a sustentabilidade no coração de seus negócios”, afirma Daniela Meres, da Gondwana Brasil, de Curitiba.

A agência trabalha com turismo receptivo, com foco no mercado internacional, e contrata terceiros em praticamente todos os elos da cadeia, o que exige uma curadoria criteriosa – e, em muitos casos, ainda é necessário fazer o papel de sensibilizar e insistir para que empreendedores locais implementem as práticas de forma contínua, com monitoramento e melhoria constante.

Além disso, Daniela reclama da ausência de uma pressão mais estruturada do mercado nacional para que essas boas práticas deixem de ser diferenciais e passem a ser exigências amplamente disseminadas entre as operadoras, contratantes e destinos.

Ela explica que no mercado internacional essa pressão já é uma realidade: operadoras estrangeiras frequentemente exigem seguros de responsabilidade civil, contratos claros, códigos de conduta e até certificações como condição mínima para a parceria. “Isso mostra o quanto o Brasil ainda precisa avançar para se alinhar aos padrões globais de segurança e sustentabilidade no turismo de aventura”, diz.

A verdade é que a nossa indústria turística está aquém de sua grandeza. Precisamos trabalhar para transformar todo esse potencial humano e territorial na referência que sonhamos ser para o mundo’, finaliza Del Vigna.

Texto de Jerônimo Rubim

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Atré Comunicação

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